O Museu do Ceará é a mais antiga instituição museológica do estado. São mais de 90 anos como principal espaço de reflexão a respeito da história, da memória e do patrimônio cultural dos povos cearenses
Ao longo de sua história, o MUSCE se tornou lugar de debate acerca da memória social, das tramas e narrativas que envolvem personagens e eventos históricos, contudo, sem esquecer da história e memória daqueles que foram e ainda são silenciados pela sociedade.
Essa instituição museológica constitui-se como um espaço de salvaguarda e comunicação de múltiplas expressões de identidades, que uma vez compartilhadas, compõem um instigante e diverso emaranhado que é a cultura cearense. Enquanto instituição à serviço da sociedade, debates contemporâneos sobre direito à memória e ao patrimônio e as reivindicações de vozes silenciadas pautam as suas ações de salvaguarda, comunicação e educação.
Atualmente, a sede oficial do Museu do Ceará, o Palacete Senador Alencar, está fechado para uma grande obra de restauro. Por essa razão, o acervo e os setores administrativos e de comunicação estão instalados no Anexo Bode Ioiô, localizado na Praça do Ferreira (Fortaleza). Esse novo espaço será um local de experimentações e acolhimento, assim como de pesquisa e reflexão sobre o acervo.
O Museu do Ceará é uma instituição em constante processo de atualização de suas práticas. Fundamentando-se no novo conceito de museu, que inclui termos essenciais para os debates contemporâneos, como inclusivo, bem viver, antiracista e sustentável. O MUSCE está passando por um processo de reconstrução de suas práticas de musealização, no sentido de tornar-se um equipamento cultural mais relevante para a preservação da história e memória cearense a partir da reelaboração e reinterpretação de seu acervo.
Foto de Aurelio Alves
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O Museu do Ceará foi criado por decreto em 1932, mas aberto oficialmente ao público em janeiro de 1933, com a denominação de Museu Histórico do Ceará. Inicialmente foi concebido como uma das dependências do Arquivo Público, situado na rua 24 de Maio, nº 238, no centro de Fortaleza. No início de 1934, o Arquivo e o Museu foram transferidos para a Avenida Alberto Nepomuceno, nº 332, em frente à Praça da Sé. Hoje esses edifícios já não existem mais. Sua principal missão é promover a reflexão crítica sobre a História do Ceará por meio de programas integrados de pesquisas museológicas, exposições, cursos, publicações e práticas pedagógicas.
Em 1951, o Arquivo foi deslocado para a área térrea do Palacete Senador Alencar, onde funcionava a Assembléia Legislativa, e o Museu se manteve no edifício da Praça da Sé até 1957, sob a tutela do Instituto Histórico do Ceará, que se transferiu para o local. Tal iniciativa governamental tinha por finalidade dotar o Instituto de instalações mais adequadas para as suas atividades e também reestruturar o Museu. Reformas foram empreendidas e novas peças foram agregadas ao seu acervo – notadamente as das coleções indígenas do antigo Museu do Instituto (organizado em 1940 por Pompeu Sobrinho) e do Museu Rocha – para a montagem de futuras exposições. As aquisições acabaram dando uma feição diferenciada à Instituição, que em 1955 reabre com nova denominação: Museu Histórico e Antropológico do Ceará.
No terreno onde estava instalado, o Governo Paulo Sarasate resolveu construir o Fórum Clóvis Beviláqua, transferindo o Museu para a Avenida Visconde do Cauype, nº 2341. Lá ficou até 1967, quando a Universidade Federal do Ceará solicitou a edificação para ampliar as dependências da Faculdade de Economia, prometendo em contrapartida um prédio na Rua Barão do Rio Branco, n. 410 (hoje sede do Instituto Histórico). O Museu ainda seria deslocado mais três vezes: no ano de 1971, para a Avenida Barão de Studart, nº 410 (onde atualmente está o Museu da Imagem e do Som Chico Albuquerque); em 1990, para o Palacete Senador Alencar, na Rua São Paulo, nº 51, onde ganhou o nome de Museu do Ceará, e, em 2022, devido às obras de restauro do Palacete Senador Alencar, o museu foi transferido temporariamente para o local denominado Anexo Bode Ioiô, espaço situado no coração da cidade, a Praça do Ferreira.
Por fim, importante mencionar que devido a sua importância e longevidade em prol de ações que promovessem o desenvolvimento do campo museal cearense, coube ao MUSCE, por intermédio da Secretaria da Cultura do Estado, articular a criação, e posteriormente, a coordenação do Sistema Estadual de Museus do Ceará (SEM/CE) em 2004, o qual esteve vinculado até 2019.
A edificação é protegida pelo Tombo Federal: Processo nº 863-T 72, Livro do Tombo Histórico, Inscrição nº 440, Fls. 72; Livro do Tombo das Belas Artes, Inscrição nº 502, data: 28 de fevereiro de 1973. É considerado o marco oficial do estilo neoclássico brasileiro.
O Palacete Senador Alencar foi originalmente construído para ser sede da Assembleia Provincial do Ceará. As obras, que duraram de 1855 a 1871, foram por diversas vezes paralisadas durante sua edificação. A partir de 1865, Adolpho Herbster passou a ser o engenheiro responsável pela construção do prédio que, após algumas prorrogações nos prazos de entrega, finalmente foi inaugurado no dia 4 de julho de 1871.
Ao longo de sua história, o Palacete abrigou, além da Assembleia Provincial e Legislativa, diversos órgãos, como o Tribunal de Contas do Estado do Ceará, a Faculdade de Direito, a Biblioteca Pública, o Tribunal Regional Eleitoral, dentre outros. Em 1972, o arquiteto José Liberal de Castro, em documento dirigido ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), solicitou o tombamento do edifício. No dia 28 de fevereiro de 1973, o Palacete Senador Alencar foi registrado no Tombo das Belas Artes, com a inscrição 502. No Guia de Bens Tombados do Estado do Ceará (1995), o referido arquiteto define a edificação como um marco do neoclassicismo brasileiro.
O edifício ainda mantém suas características arquitetônicas originais. Seu estilo neoclássico é expresso principalmente através das colunas, janelas e frontão triangular. Nas proximidades estão o Palácio da Luz (atual Academia Cearense de Letras), a Igreja do Rosário e a Praça General Tibúrcio (mais conhecida como Praça dos Leões) Essas construções formam um importante conjunto arquitetônico da capital cearense, localizado numa área de grande densidade histórica e turística.
Em outubro de 2023, o Governador Elmano de Freitas assinou Projeto de Lei que garante R$ 4.5 milhões para restauro e reforma do Palacete Senador Alencar. O recurso advém do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos do Estado do Ceará (FDID), regulado pelo Ministério Público. O projeto também contempla a modernização do Museu do Ceará, adequando o equipamento às atuais orientações de acessibilidade e atualização dos espaços expositivos.
Por muito tempo, persistiu um espírito antiquário nas exposições do Museu do Ceará, quando o acervo, em seu processo inicial de formação, era praticamente apresentado em sua totalidade para o olhar do visitante. Após a chegada do Museu do Ceará ao Palacete Senador Alencar em 1990, foi preciso analisar a situação por meio de duas perspectivas: a ampliação do acervo e a diversificação das atividades do Museu do Ceará. Como forma de resolver as pendências, foram destinadas posteriormente as duas salas do Palacete Senador Alencar para constituir a reserva técnica, circunstância essa que, no presente momento, já não supre o montante atual de objetos sob guarda da instituição.
No entanto, o Palacete Senador Alencar, devido à sua estrutura e também ao fato de ser imóvel tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não permite a construção contígua de um anexo para o MUSCE ou qualquer outra intervenção que possibilite a ampliação desse espaço, além de novas salas, laboratórios e oficinas de conservação e restauro do acervo. Além disto, o prédio exige um detalhado processo de reestruturação de escoamento das águas pluviais, acessibilidade física, climatização e monitoramento eletrônico.
Com o objetivo de sanar as demandas relativas a espaço, além de propiciar a adequada obra de restauro do Palacete Senador Alencar, o acervo e setores técnicos e administrativos de Museu do Ceará foram transferidos, entre setembro e outubro de 2022, para o Anexo Bode Ioiô, na Rua Major Facundo, n. 584. Situado em uma das pontas da Praça do Ferreira, ao lado da Farmácia Oswaldo Cruz, considerada a mais antiga farmácia de manipulação do Estado do Ceará. O local que hoje recebe o anexo do Museu do Ceará também abrigou a antiga Loja Milano, inaugurada em 1965 para a comercialização de roupas, sapatos e acessórios e, entre 2017 e 2019, o Observatório de Fortaleza, ligado ao Instituto de Planejamento (Iplanfor) e integrado à gestão municipal da cidade.
O Anexo Bode Ioiô é dividido em quatro pavimentos e a edificação passou por algumas adaptações para que pudesse receber o acervo da instituição e sua equipe técnica.
O Anexo Bode Ioiô é dividido nos seguintes espaços:
– Térreo: recepção, com comercialização de objetos produzidos pela Associação de Amigos do Museu do Ceará, um módulo expositivo para mostras temporárias e Reserva Técnica Thomaz Pompeu Sobrinho;
– Mezanino: Auditório Prof. Gilmar Carvalho e Reserva Técnica Eusébio de Souza;
– 1º andar: Sala do Núcleo Administrativo;
– 2º andar: Sala Núcleo de Acervo e Pesquisa e Reserva Técnica Valdelice Girão;
– 3° andar: Sala do Núcleo de Comunicação e Educação e a Biblioteca Carlos Studart
O Anexo Bode Ioiô será um local de muitas experimentações, diálogos e debates, assim como de pesquisa, reflexão e de muitas ações referentes ao acervo do Museu do Ceará. Por sua localização, ampliará o diálogo com a cultura popular, representada, especialmente, pelos artistas de rua e os movimentos sociais que fazem da Praça do Ferreira o palco de suas atividades. O Museu do Ceará ultrapassará os limites do Anexo Bode Ioiô e integrará o espaço público em suas ações. Em diálogo com as reivindicações sociais da atualidade, o Museu será reconceituado a partir das interações, tensões e ocupações dos diferentes indivíduos e grupos sociais, de forma participativa com outras instituições e espaços de cultura e memória, a comunidade artística e diferentes públicos, como trabalhadores e transeuntes da região do centro de Fortaleza.